terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O Ônibus da Demora



E estou eu, parado no ponto de ônibus esperando-o debaixo de um pequeno toldo como qualquer outra pessoa ali amontoada tentando se proteger da chuva que caia incansavelmente. 
Vários ônibus passavam. De várias rotas.
Várias pessoas chegavam e saiam. Por várias e várias vezes, mas o que aguardava parecia estar vindo de com os pneus furados.


A espera estava cansando.
Eis que surge em meio à multidão um senhor de uma aparência simples. Põe-se ao meu lado e começa a conversar comigo. Era de tal agilidade das palavras que não sei dizer se não o entendia pela pronuncia rápida ou pelo frio da chuva que tampara meus ouvidos encolhendo-me cada vez mais para me livrar do frio. 
Do pouco que entendia, percebi que ele falava do tempo, hora, chuva, sol e calor...
Falava que pesava 120 quilos e que perdera essa massa quando não sei quem o deixou. Não sei dizer se abandonara ou morrera, era difícil entender suas palavras.
Eu, tentando ser agradável com o frio lascante da situação, apenas respondia. Legal.
Em uma série de palavras em que minha resposta era sempre a mesma, percebi seu semblante mudar de tal forma abrupta que ele teve de repetir a frase que, logo após ele mencionar pausadamente suas palavras, compreendi que se tratava de um questionamento.
Legal?! Você acha legal morrer a família inteira? Você é judeu?
Logo penso: Ops! Mas a culpa não foi minha, ele fala muito enrolado!
No mesmo instante tento consertar a situação dizendo: não, não... não é isso..., mas nada adiantou. Seu semblante ainda se mantinha assustado.
Percebo que seu olhar se voltar para um ônibus qualquer que acabara de parar. Logo caminha até ele e adentra parecendo não se importar qual o destino daquele ônibus. Parecia apenas querer sair de perto de mim.
Vejo-me com uma face de dúvidas sobre o que estava acontecendo ali naquele momento.
Volto ao posto inicial depois que o tal senhor partira.
O tempo passa.
Vários ônibus passam.
O meu nunca passa... 
Novamente, outro senhor para ao meu lado e também começa a conversar comigo.
Penso: serei eu tão sociável assim? 
Este perguntara sobe o mesmo ônibus que eu. E falava-me do tempo chuvoso, de seu trabalho, de estar pensando em ir caminhando até seu destino, pois o ônibus demorava demais para chegar.
Mais uma vez eurespondia com: Legal. 
Finalmente, após quase uma hora esperando, o ônibus chega.
Subo. O senhor sobe. Então partimos para nosso destino. 
Ao entrar noto o cobrador em ao lado de sua poltrona com uma feição cansada. Provavelmente pelo dia estafante. Do outro lado da roleta, algumas pessoas com poses de "não fale comigo".
O senhor que me pegara para papo sentou nas primeiras poltronas.
Meu raciocínio imediato: Vou passar pela roleta e ficar do outro lado. Dessa forma ninguém puxará assunto novamente. 
Abro minha carteira. Retiro uma nota de dez. A única da carteira. Estico meu braço oferecendo o dinheiro ao cobrador. Ele olha para minha mão segurando o dinheiro. Noto um ar de dúvida sobre ele. Seus olhos se voltam para sua caixa à procura de troco. Não encontra. Enfia a mão no bolso de trás da calça puxando sua carteira. Abre procurando troco. Não encontra. Volta-se para mim. Você vai descer aonde?
Vou para o hospital. Respondo.
Espera um pouquinho então. Ele me pede. Neste momento noto que ele não me forneceu passagem pela catraca. 
A viagem continua.
Várias pessoas sobem, entretanto todas utilizam o cartão. 
Parado ao lado da catraca, pergunto qual a frequência de horário daquele ônibus. E então se fez a história. Começou a falar que eram a cada vinte minutos, porém aquele dia havia apenas cinco carros na rota, e que aquela empresa de ônibus era muito "ruim de jogo".
Contava-me histórias de antigamente quando não precisavam justificar nada. Que poderiam parar em qualquer lugar fora do "ponto".
Que não eram despedidos por qualquer coisa como falta de troco.
Que se o carro vira uma rua diferente o GPS apita para a central e depois ele tinham que justificar.
Tudo era muito controlado. Controlado até demais. Ele dizia.
Dessa vez, decidi mudar minhas respostas, então utilizava. Poxa!, É? e Nossa. Alternando-as. 
Desço no próximo ponto. Digo a ele interrompendo sua história.
É? Ele responde notando que durante a viagem toda ninguém pagara passagem em dinheiro.
Vem aqui comigo. Ele me fala dirigindo-se até o motorista. Para ali no hospital. Ele vai lá. Diz ao motorista.
Aquele esquema? Pergunta ao cobrador soltando uma risada. 
O ônibus para exatamente em frente do meu destino. A porta da frente se abre.
Desce por aqui. Diz o cobrador.
Sério? Pergunto meio incrédulo e pensando “Não vou pagar mesmo?”
Sim. Pode descer.
Nossa! Muito obrigado! Digo ao cobrador e ao motorista.
De nada.
Desço.
O ônibus parte.
Olho para o lado e vejo que mais alguém descera pela porta traseira e iria ao mesmo local que eu.
Poxa, ai sim hein. Descemos na porta do hospital. Ele me fala com um ar de satisfação.
Pois é. Respondo. E o cara nem me cobrou. Acho que estava sem troco! Mencionei.
Ele, com ar de espantado, fala Poxa, ai é vida hein!
Adentramos ao hospital.
Cheguei, finalmente. Troquei-me e fui assumir meu posto para mais um plantão. 
Até que foi uma boa noite! Pensei.

6 comentários:

  1. As pessoas estão "cheias de tantos afazeres", que pensar no tal de cotidiano parece incômodo e perda de tempo. Mas vc faz isso de uma maneira que suscita ao leitor (falo por mim), a pensar melhor nas "pequenas coisas" da vida e que EXISTE MAGIA NA ROTINA, no vai e vém das pessoas... No viver, enfim!

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  2. Muito obrigado. Fico feliz que tenha gostado. O intuito é exatamente esse. E sim, eu procuro sempre relatar os acontecimentos de minha vida de forma clara. E aqueles momentos que padsam despercebidos, normalmente, são os que mais possuem caracteristicas nossas. É essa rotina que você citou que não nos faz notar a potencialidade de nosso dia a dia.

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  3. Não tem como começar a ler e parar...
    Como dito ali em cima, suas palavras, descrevendo simples acontecimentos do dia a dia me fazem ter vontade de ler ateh o fim, e me indentificar com algumas situaçoes!
    Mto bom!

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    1. Vlw Aline. Gosto de observar os acontecimentos mesmo. Muitas vezes parecem sem importância, mas não são. É bom poder apreciar a vida em seus mínimos detalhes. 😃

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  4. Não tem como começar a ler e parar...
    Como dito ali em cima, suas palavras, descrevendo simples acontecimentos do dia a dia me fazem ter vontade de ler ateh o fim, e me indentificar com algumas situaçoes!
    Mto bom!

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