E lá estou eu, parado no ponto de ônibus esperando-o debaixo de um pequeno toldo como qualquer outra pessoa ali amontoada tentando se proteger da chuva que caia incansavelmente.
Vários ônibus passavam. De várias rotas.
Várias pessoas chegavam e saiam. Por várias e várias vezes, mas o que aguardava parecia estar vindo de ré com os pneus furados.
A espera estava cansando.
Eis que surge em meio à multidão um senhor de uma aparência simples. Põe-se
ao meu lado e começa a conversar comigo. Era de tal agilidade das palavras que não sei dizer se não o entendia pela pronuncia rápida ou pelo frio da chuva que tampara meus ouvidos encolhendo-me cada vez mais para me livrar do frio.
Do pouco que
entendia, percebi que ele falava do tempo,
hora, chuva, sol e calor...
Falava que pesava 120 quilos e que perdera essa massa quando não sei quem o deixou. Não sei dizer se abandonara ou morrera, era difícil entender suas palavras.
Eu, tentando ser agradável com o frio lascante da situação, apenas respondia. Legal.
Em uma série de palavras em que minha resposta era sempre a mesma, percebi seu semblante mudar de tal forma abrupta que ele teve de repetir a frase que, logo após ele mencionar pausadamente suas palavras, compreendi que se tratava de um questionamento.
Legal?! Você acha legal morrer a família inteira? Você é judeu?
Logo penso: Ops! Mas a culpa não foi minha, ele fala muito enrolado!
No mesmo instante tento consertar a situação dizendo: não, não... não é isso..., mas nada adiantou. Seu semblante ainda se mantinha assustado.
Percebo que seu olhar se voltar para um ônibus qualquer que acabara de parar. Logo caminha até ele e adentra parecendo não se importar qual o destino daquele ônibus. Parecia apenas querer sair de perto de mim.
Vejo-me com uma face de dúvidas sobre o que estava acontecendo ali naquele momento.
Volto ao posto inicial depois que o tal senhor partira.
O tempo passa.
Vários ônibus passam.
O meu nunca passa...
Novamente, outro senhor para ao meu lado e também começa a conversar comigo.
Penso: serei eu tão sociável assim?
Este perguntara sobe o mesmo ônibus que eu. E falava-me do tempo chuvoso, de seu trabalho, de estar pensando em ir caminhando até seu destino, pois o ônibus demorava demais para chegar.
Mais uma vez
eu
só respondia com: Legal.
Finalmente, após quase uma hora esperando, o ônibus chega.
Subo. O senhor sobe. Então partimos para nosso destino.
Ao entrar noto o cobrador em pé ao lado de sua poltrona com uma feição cansada. Provavelmente pelo dia estafante. Do outro lado da roleta, algumas pessoas com poses de
"não fale comigo".
O senhor que me pegara para papo sentou nas primeiras poltronas.
Meu raciocínio imediato: Vou passar pela roleta e ficar do outro lado. Dessa forma ninguém puxará assunto novamente.
Abro minha carteira. Retiro uma nota de dez. A única da carteira. Estico meu braço oferecendo o dinheiro ao cobrador. Ele olha para minha mão segurando o dinheiro. Noto um ar de dúvida sobre ele. Seus olhos se voltam para sua caixa à procura de troco. Não encontra. Enfia a mão no bolso de trás da calça puxando sua carteira. Abre procurando troco. Não encontra. Volta-se
para mim. Você vai descer aonde?
Vou para o hospital. Respondo.
Espera só um pouquinho então. Ele me pede. Neste momento noto que ele não me forneceu passagem pela catraca.
A viagem
continua.
Várias pessoas
sobem, entretanto todas utilizam o cartão.
Parado ao lado
da catraca, pergunto qual a frequência de horário daquele ônibus. E então se
fez a história. Começou a falar que eram a cada vinte minutos, porém aquele dia
havia apenas cinco carros na rota, e que aquela empresa de ônibus era muito
"ruim de jogo".
Contava-me
histórias de antigamente quando não precisavam justificar nada. Que poderiam
parar em qualquer lugar fora do "ponto".
Que não eram
despedidos por qualquer coisa como falta de troco.
Que se o carro
vira uma rua diferente o GPS apita para a central e depois ele tinham que
justificar.
Tudo era muito
controlado. Controlado até demais.
Ele dizia.
Dessa vez,
decidi mudar minhas respostas, então utilizava. Poxa!, É? e Nossa. Alternando-as.
Desço no próximo ponto. Digo a ele
interrompendo sua história.
É? Ele responde
notando que durante a viagem toda ninguém pagara passagem em dinheiro.
Vem aqui comigo. Ele me fala
dirigindo-se até o motorista. Para ali no
hospital. Ele vai lá. Diz ao motorista.
Aquele esquema? Pergunta ao
cobrador soltando uma risada.
O ônibus para
exatamente em frente do meu destino. A porta da frente se abre.
Desce por aqui. Diz o
cobrador.
Sério? Pergunto meio
incrédulo e pensando “Não vou pagar mesmo?”
Sim. Pode descer.
Nossa! Muito obrigado! Digo ao
cobrador e ao motorista.
De nada.
Desço.
O ônibus
parte.
Olho para o
lado e vejo que mais alguém descera pela porta traseira e iria ao mesmo local
que eu.
Poxa, ai sim hein. Descemos na porta do
hospital. Ele me fala com um ar de satisfação.
Pois é. Respondo. E o cara nem me cobrou. Acho que estava sem
troco! Mencionei.
Ele, com ar de
espantado, fala Poxa, ai é vida hein!
Adentramos ao
hospital.
Cheguei, finalmente. Troquei-me e
fui assumir meu posto para mais um plantão.
Até que foi uma boa noite! Pensei.
As pessoas estão "cheias de tantos afazeres", que pensar no tal de cotidiano parece incômodo e perda de tempo. Mas vc faz isso de uma maneira que suscita ao leitor (falo por mim), a pensar melhor nas "pequenas coisas" da vida e que EXISTE MAGIA NA ROTINA, no vai e vém das pessoas... No viver, enfim!
ResponderExcluirMuito obrigado. Fico feliz que tenha gostado. O intuito é exatamente esse. E sim, eu procuro sempre relatar os acontecimentos de minha vida de forma clara. E aqueles momentos que padsam despercebidos, normalmente, são os que mais possuem caracteristicas nossas. É essa rotina que você citou que não nos faz notar a potencialidade de nosso dia a dia.
ResponderExcluirNão tem como começar a ler e parar...
ResponderExcluirComo dito ali em cima, suas palavras, descrevendo simples acontecimentos do dia a dia me fazem ter vontade de ler ateh o fim, e me indentificar com algumas situaçoes!
Mto bom!
Vlw Aline. Gosto de observar os acontecimentos mesmo. Muitas vezes parecem sem importância, mas não são. É bom poder apreciar a vida em seus mínimos detalhes. 😃
ExcluirNão tem como começar a ler e parar...
ResponderExcluirComo dito ali em cima, suas palavras, descrevendo simples acontecimentos do dia a dia me fazem ter vontade de ler ateh o fim, e me indentificar com algumas situaçoes!
Mto bom!
Muito bom!!!!!
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