segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Dia de Sorte





Como na maioria dos enredos, posso dizer que tudo começou na noite anterior. Foi uma tarde de limpeza em casa. Aquela faxina do teto ao chão.
Ao cair da noite, estava naquele estado de conquistador arrebatador de coração de urubu de lixão. Meu cheiro era agradabilíssimo. Quem dera minha mulher se sentisse atraída. Ela cuidou do nosso filho mais novo durante a limpeza e não foi contemplada também com o odor de macho-alfa.

Para minha noite parecer completa, acabara a água bem na hora em que entrei para o banho.
Ah que alegria! Pensava. Voltarei aos dias de vida selvagem dos primatas e nem precisarei me envolver de armadilhas.
Meu cheiro se encarregaria disso.
Penso. Tudo bem. Amanhã entro mais cedo no serviço e tomo banho.
Chego ao trabalho pronto para o tão sonhado banho. Tudo parecia correr bem, pois dispunha de três chuveiros no alojamento que poderiam resolver meu probleminha.
Normalmente havia pessoas que também faziam uso do chuveiro, mas acreditava que não teria de esperar em fila, afinal era seis horas da manhã.
Sentia-me ainda mais incomodado, pois parecia que o suor e a catinga haviam sido incorporados ao meu corpo.
Estava um pouco frio quando cheguei, mas ignorei.
Um amigo também tinha a mesma intenção de banho, mas não me preocupei devido à quantidade de chuveiro e interessados no mesmo.
Adentrei em um aleatório. Ele fez o mesmo.
Sem pensar em nada, e com a vontade louca de me desfazer daquela sensação grudenta, abri o registro de forma sedenta. Louco pela água daquela tubulação. Eis que surge um jato d’água frenético. Parecia um míssil que se encontrou com meu corpo.
De repente, minha angústia pelo odor toma espaço para um frio aterrorizante. Fechei-o no mesmo instante.
Aquele maldito chuveiro estava com a resistência queimada.
Ah desgraça! Solto de raiva. Fiquei batendo meu queixo.
O que houve? Ele diz.
Essa desgraça ta fria.
Nossa, o meu está quentinho. Solta uma risada sarcástica. Tenta o outro.
Parti para o outro ao lado do que estava. Preparei-me e abri o registro, dessa vez de forma calma.
Ao tocar a água novamente. Ai desgraça!
O que foi?
Está fria também.
Novamente ele ri de forma satírica. Por um instante pensei que ele soubesse da falha dos chuveiros e não me avisou. Talvez queria se divertir antes de assumir seu plantão.
Espere um pouco, estou saindo e você usa esse.
Está bem. disse agradecendo.
Fiquei lá enrolado na toalha com o corpo meio molhado e sentindo um frio cretino daquela manhã até o chuveiro vagar.
Quando ele saiu, corri para dentro do Box e tranquei. Dali ninguém me tiraria.
Foi o melhor banho que tomei.
Após quase me sentir uma cachinhos dourados em busca do mingau de temperatura adequada, aquela água quente finalmente conquistada me deu um gosto de vitória no campo de batalha.
Após o banho tomado troquei-me e assumi mais um plantão.
Os médicos estavam ansiosos por exames naquele dia. Não parei um minuto. Logo após a primeira hora, percebi que estava com meu cheiro agradável novamente, e veja que já passei da puberdade.
O corpo esquentou e o sol mostrou-se ainda mais quente. Senti falta daquela água congelante da manhã.
Enfim, a hora do almoço chegou. Estava faminto. Vou ao refeitório ansiando por uma refeição agradável ao paladar.
Encontro meu amigo na porta. Bora almoçar? Pergunta.
Opa! Respondo com fome.
Quando chego lá, noto minha maravilha.
Na primeira bandeja, arroz em bloco. Tudo bem que estávamos em época de carnaval, mas festejar até na refeição poderia ser algo dispensado naquele momento, mas enfim.
Na segunda, feijão ilha, que é aquele em que você vê um pequeno arquipélago em meio ao Oceano Pacífico.
A terceira bandeja havia um strogonoff.
Puxei a concha para me servir e, ao levantá-la, senti uma terrível vontade de sanar minha dúvida cruel que me dera quando vi a cena.
É de quê esse strogonoff? De trigo? Perguntei ao garçom.
Frango. Respondeu dando um sorriso amarelo. Mas acho que acabou. Completou.
Jura? Pensei.
Meu amigo, ao meu lado, exclama. Nossa, pensei que era molho rose!
Tem batata palha pelo menos. Percebo.
Então, peguei meu arroz unido, um pouco de feijão ilhota e meu strogonoff de trigo e fartei-me de batata palha. Aquilo me salvaria.
Antes de sair do refeitório meu amigo, que estava de plantão na emergência, ressalta. Tem um monte de exames agora de tarde viu. E também tem duas tomografias com contraste nas unidades. Só pra avisar.
Agradeço sua preocupação com meu bem estar físico, mental e estomacal e volto para a seção informando que em breve iria às unidades e depois à emergência.
Vou ao alojamento para escovar meus dentes e volto para a seção.
Quando vou me preparar para começar minha lista incansável de exames, ouço um estrondo.
O gerador ligou. Pensei.
A energia havia acabado.
Minha reação: vibrei!
Fui às seções que havia exames pendentes avisando.
Senhores, a luz acabou. Estamos no gerador. Os aparelhos de raios-x e tomografia não funcionam assim. Quando voltar a energia eu avisarei e faremos os exames.
Fui para o quarto do plantonista e aguardei pacientemente a luz voltar.
O plantão acabou. Minha rendição veio, mas a luz não.
   Voltei para a casa pensando. Nada como um ‘dia de sorte!


Fonte da imagem: socialspirit.com.br

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